
“Vai um cafezinho?”. Base da economia brasileira durante o chamado Ciclo do Café (1800-1930) e ainda um importante produto da balança comercial brasileira, apesar do preço alto para o mercado interno atualmente praticado, a bebida originária da África e que se tornou uma necessidade, mais ou menos voluntária, de consumidores de todo o mundo pode ver sua produção reduzida nos próximos anos. Alvo de inúmeras pesquisas nos dois hemisférios, o nosso cafezinho de cada dia pode estar ameaçado pela elevação da temperatura ocasionada pelas mudanças climáticas atuais. Os estudos chegam a considerar a interferência do calor sobre elementos como oxigênio, nitrogênio e carbono (fracionamento isotópico) no comprometimento da qualidade da cultura.
Pesquisas como a desenvolvida pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), denominada “Impactos das mudanças climáticas globais sobre problemas fitossanitários – Climapest”, tentam simular os impactos desse e de outros fatores sobre o produto. As consequências vão da perda da produção ao comprometimento da sua acidez, aroma, sabor e corpo. Assim, o preço, como já podemos constatar, poderá não ser a única coisa não palatável do café nos próximos anos. A “commodity brasileira”, responsável por 33,3% da safra mundial prevista para 2024-2025 (58,81 milhões das 176,2 milhões de sacas de 60 kg das espécies café arábica e robusta+conilon, segundo o ministério da Agricultura, via Agência Gov), pode também perder alguns aspectos físicos que promovem boa parte do seu charme.
Adaptação
Segundo o auditor fiscal do ministério da Agricultura, o ex-conselheiro federal eng. agr. Kleber Santos, o problema já enfrentado pelo café, apesar do desenvolvimento tecnológico avançado com adaptação ao clima e do aumento da produção, também está presente em outras culturas produzidas no país. “O que a gente detecta, em um cenário para longo prazo, é que os impactos já estão ocorrendo de forma gritante. Inclusive os profissionais da assistência técnica estão recomendado tecnologias de adaptação, como irrigação eficiente e uso de protetor solar junto à aplicação de insumos”.
Atual coordenador de Irrigação e Conservação do Solo e Água do Mapa e representante do ministério no Comitê Interministerial sobre a Mudança do Clima, responsável pela elaboração do Plano Clima, Kleber considera que o grupo promoveu “uma série de levantamentos, sem especificar uma cultura, apontando o impacto geral na agricultura, nos últimos 10 anos, dos eventos climáticos extremos: prejuízos na ordem de R$ 260 bilhões para a agropecuária brasileira”.
O que a gente detecta, em um cenário para longo prazo, é que os impactos já estão ocorrendo de forma gritante
Somente em 2022, diz, citando dados do portal Adapta Brasil, os eventos de seca resultaram em prejuízos de R$ 57,4 milhões. “Daí que está em construção a Estratégia Nacional de Adaptação do Plano Clima (setorial da Agricultura e Pecuária), que se trata do plano do governo federal, coordenado pelo ministério do Meio Ambiente – MMMA, para enfrentamento à mudança do clima. O Plano Clima – Adaptação – Setorial Agropecuária possui três objetivos oito metas e 18 ações, com incentivos para a agricultura sustentável”, complementa.
O ex-presidente da Confederação dos Engenheiros Agrônomos do Brasil (Confaeab) destaca que até o dia 9 de maio estão em consulta pública os planos setoriais e temáticos de adaptação que compõem o Plano Clima. Aberta em várias áreas, o Plano é um dos principais instrumentos que irão compor a Política a ser levada à Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 30), em Belém, de 10 a 21 de novembro (confira detalhes em anexo).
“Estão aumentando os instrumentos de política agrícola como o seguro agrícola, até para proteger o agricultor das perdas. O zoneamento edafoclimático também está atento, fornecendo um mapeamento dinâmico de onde se pode plantar no Brasil. A tendência é que isso vá impactando. Uma coisa é certa, a cultura tem que se adaptar a isso, adotando práticas sustentáveis, variedades com maior resistência à seca. O café é apenas uma das culturas impactadas que já está procurando promover o enfrentamento diante da mudança climática”.
Pesquisas
“O estresse hídrico prolongado acarreta danos à floração, redução do desenvolvimento de grãos, danos aos frutos e morte das plantas (Damatta; Ramalho, 2006). Ocorre, ainda, menor absorção de nutrientes e baixa taxa de transporte de íons. Sob essas condições, a planta reduz sua fotossíntese e minimiza seus rendimentos”, descreve, mais especificamente, o artigo “Efeitos das características ambientais na qualidade do café”, dos pesquisadores eng. agr. Helena Maria Ramos; eng. ftal. Margarete Marin Londelo Volpato; eng. agr. Flávio Meira Borém; eng. agr. José Marques Júnior; eng. agr. Diego Silva Siqueira; eng. agric. Emília Hamada e eng. ftal. Rosângela Alves Tristão Borém, da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig), em artigo publicado no número 327 do Informe Agropecuário, em 2024.
O artigo pondera, claro, a existência de outros fatores, como a altitude e o solo, nesta análise de aptidão da planta. No entanto, a diversidade climática, sobretudo sua elevação, é apontada como o principal fator para as variações nas características de acidez, corpo e aroma da bebida, inclusive em torno daqueles denominados de cafés especiais. “A temperatura é apontada como o principal fator ambiental para a produção de cafés especiais. A temperatura média do ar, durante o desenvolvimento do fruto, afeta o perfil sensorial de bebida”, consideram os pesquisadores. Logo em seguida, a análise passa a considerar as variações de pressão e temperatura ocasionadas pelas mudanças climáticas.
“Os impactos das mudanças climáticas começam a pressionar o setor cafeeiro, pois eventos extremos têm afetado a cafeicultura e poderão alterar as atuais delimitações de áreas com potencial adequado de clima para produção econômica e também para produção de cafés especiais. O aquecimento tem alterado a distribuição das espécies cultivadas, a aptidão das áreas de cultivo e a ocorrência dos principais eventos biológicos, como a floração e a emergência de insetos, afetando a qualidade dos alimentos e a estabilidade da colheita”, afirmam.
Com base em estudos publicados em outros países, o aumento à exposição à luz é considerado fator para a redução dos atributos sensoriais da bebida. O documento cita ainda pesquisas baseadas nos cenários de emissões do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês). Com o título “Sistemas agroflorestais podem mitigar os impactos das mudanças climáticas na produção de café: uma avaliação espacialmente explícita no Brasil”, Gomes e outros pesquisadores publicaram, em 2020, na Holanda, um estudo que sugere a redução das perdas (estimadas em 60% até 2050) por meio da adoção de sistemas agroflorestais, responsáveis pela redução das temperaturas.
Henrique Nunes / Equipe de Comunicação do Confea